terça-feira, 29 de novembro de 2011

O Existencialismo de Sartre em Essa tal Liberdade, do Só pra Contrariar



Influenciado pela música do grupo Fundo de Quintal, Alexandre Pires iniciou um projeto que pode ser considerado um marco para o pagode dos anos 90. Falamos aqui do lendário Só Pra Contrariar, imortalizado com músicas capazes de passar os mais diversificados tipos de sentimentos, da alegria à angústia. Mais do que isso, a rica discografia do grupo permite reflexões profundas a respeito da alma humana. Embora seja possível tecer uma tese inteira sobre a obra de Só Pra Contrariar , nos deteremos aqui na análise da música “Essa Tal Liberdade” e a clara influência de Sartre em sua letra.



Ouçamos os primeiros versos...

O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade?
Se estou na solidão pensando em você
Eu nunca imaginei sentir tanta saudade
Meu coração não sabe como te esquecer

A influência do existencialismo sartreano é claramente expressa logo no primeiro verso. Sartre nos dizia que o homem é condenado a ser livre. Pressupondo que a existência precede a essência, ele defende que o ser humano não é definido de uma vez, mas sim precisa definir aquilo que é através de suas escolhas. Mesmo que ele não escolha, já é uma escolha. E a música nos mostra sem demora a angústia diante da liberdade. Vemos sobre a solidão do eu lírico solitário. Uma vez que cada indivíduo deve realizar suas próprias escolhas, fica claro que está terrivelmente solitário nessa condição. Não há quem possa escolher por ele.

Eu andei errado, eu pisei na bola
Troquei quem mais amava por uma ilusão
Mas a gente aprende, a vida é uma escola
Não é assim que acaba uma grande paixão

Aqui os erros são reconhecidos. Para Sartre, a escolha do indivíduo será uma decisão que interfere em todo o mundo. No entanto, nunca deixará de ser uma escolha dele mesmo. Culpar outrem ou pregar um determinismo, em Sartre, significa agir de má-fé. O homem não só faz a escolha, como também precisa ter consciência das consequências de suas escolhas. A música retrata o reconhecimento do indivíduo de sua própria culpa e o mostra consciente daquilo que suas escolhas resultaram.

Quero te abraçar, quero te beijar
Te desejo noite e dia
Quero me prender todo em você
Você é tudo o que eu queria

Uma estrofe emocionante que trata toda a angústia do indivíduo. Condenado a ser livre, seu maior desejo é “se prender todo em você”. O que soaria apenas como uma declaração de amor a um ouvido menos pretensioso, na verdade é um grito de socorro na tentativa vã de sair dessa condição paradoxal de condenação à liberdade.

O que é que eu vou fazer com esse fim de tarde?
Prá onde quer que eu olhe lembro de você
Não sei se fico aqui ou mudo de cidade
Sinceramente amor, não sei o que fazer


Essa estrofe mostra novamente o homem jogado em um mar de escolhas. Pode ficar ali, mudar de cidade ou não fazer nada disso. Mesmo não escolhendo, ainda é uma escolha. Um fim de tarde sem saber o que fazer com uma infinidade de escolhas à sua disposição. O que pode ser mais sartreano?

Eu andei errado, eu pisei na bola
Achei que era melhor tocar outra canção
Mas a gente aprende, a vida é uma escola
Eu troco a liberdade pelo teu perdão

Atenção ao último verso. O desejo do indivíduo é trocar sua liberdade pelo perdão. É uma manifestação clara da angústia pela liberdade. O indivíduo renuncia sua própria liberdade, um bem tão aclamado por muitos filósofos, mas para o existencialista, uma condenação.

Profundo? Mais do que podemos imaginar...poucos artistas conseguiriam expressar o existencialismo de forma tão única quando Alexandre Pires. Simplesmente fantástico.

Nota do editor: meus amigos, recebi esse texto genial (tanto quanto os outros do blog, modestamente) de um sujeito chamado William Ananias Valério. O texto merece tanto destaque quanto o seu nome. Se tu for tão bom quanto o Ananias, me manda um texto no marciopmarinho@gmail.com.

@chicocabron

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A dança da Vassoura e o processo de Impeachment de Collor

O ano era 1992, o Brasil era um barril de pólvora prestes a explodir. As primeiras eleições diretas para presidente do país, em 1989, havia sido uma guerra feroz entre Direita, os militares, um playboy de Alagoas e um barbudo comunista. A confusão foi tanta que até Silvio Santos se candidatou a ser presidente! (sim, isso é verdade. Clique aqui)

Depois da eleição de Fernando Collor de Mello, toda a ilusão de um país renovado e pronto para o futuro foi abandonada com inflação exorbitante, contas bancárias presas, famílias endividadas, empresários de suicidando e jovens na rua pedindo o impeachment.


Pouca gente sabe, mas nessa época dois garotos da baixada fluminense (Andersão e Andrezinho) estavam bolando uma música definitiva sobre essa época e que por mais que tenha sido lançada um pouco depois, foi o retrato definitivo dessa confusão toda.

A “Dança Vassoura” explicou um momento histórico na política do país em uma melodia alegre e infantil. Vamos lá:



Diga aonde você vai
Que eu vou varrendo
Diga aonde você vai
Que eu vou varrendo
Vou varrendo, vou varrendo
Vou varrendo, vou varrendo
Vou varrendo, vou varrendo
Vou varrendo, vou varrendo...(2x)

Eleito com a promessa de “varrer do mapa” os marajás, Collor se intitulava “o caçador de Marajás”. A Dança da Vassoura mostra a ordem cronológica dos fatos, como toda a letra genial faz. O presidente eleito prometia ir varrendo os marajás, bastava aos brasileiros votar nele e dizer por onde eles iam que o presidente iria varrendo.

Oh menininha eu sou seu fã
Oh menininha eu sou seu fã
Danço contigo até de manhã
Danço contigo até de manhã...(2x)

Mas em toda família tem uma menina jovem e X9. E foi nessa que Collor caiu. Thereza Collor, então jovem, bonita e esposa do seu irmão Pedro Collor foi para a imprensa apoiar as denúncias de Pedro contra o irmão. Essas denúncias foram o início de todas as investigações que culminaram com o impeachment. Thereza mostrou que não era só uma menina e que por mais que o Collor fosse seu fã, não adiantaria dançar com ela. Ela queria que o Brasil soubesse a verdade!

Na dança da bruxinha
Dança preta, dança loura
Na dança da bruxinha
Dança preta, dança loura
Agora todo mundo
Na dancinha da vassoura
Agora todo mundo
Na dancinha da vassoura...(2x)

A “bruxinha” foi uma figura que o Molejão encontrou para não serem processados ao citar o escândalo dos anões do congresso, que eram liderados por PC Farias. Se não houvesse censura a dança seria dos “anões”, onde todo mundo – os brasileiros – dançam com a vassoura, que não iria varrer os marajás, e sim o dinheiro de nossas poupanças.

Varre prá esquerda
Varre prá direita
Levanta poeira
Que essa dança é porreta...(2x)

O verso político mais explícito da canção. Ao citar a esquerda, a direita e a cocaína, o Molejão tocou fundo na ferida política ainda aberta na população. A crítica feroz aos deputados que iriam mudando da direita para o PT, do PT para a direita de acordo com o que era mais conveniente foi muito bem feita. A vassoura iria passar limpando todas as sujeiras, seja da esquerda ou da direita do país!

Quanto ao “levanta poeira que a dança é porreta”, o Molejão escancarou as histórias de Fernando Collor de Mello com cocaína e jogou na cara do país inteiro isso. Essa poeira que estava no congresso era muito mais perigosa que uma simples sujeira. Vassoura nenhuma iria limpar a cocaína impregnada no ar.

Piti pi piti pi piti pau!
Piti pi piti pi piti pau!
Mas tome cuidado
Com o cabo da vassoura
É pior do que cenoura
Você pode se dar mal...(2x)

O fim da letra é um recado ao Fernando Collor: não é tão fácil assim brincar com a vassoura. Não adianta ser malandro. O cabo da vassoura é perigoso, é pior do que cenoura e um dia, fatalmente, você poderia ter se dado mal. Aconteceu. O impeachment era inevitável e Anderson Leonardo sabia disso.

@chicocabron

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Xibom Bombom, por Karl Marx

Ah, os anos 90... época de verdadeiras músicas de protesto, onde os artistas tinham coragem de expor a sua opinião política, seu descontentamento com o mundo e seus idéias revolucionários. Época de artistas corajosos e não essa viadagem colorida atual.


As Meninas, grupo que abalou as estruturas do Planeta Xuxa nos anos 90, foi o maior exemplo da classe de artistas intelectualmente desenvolvidos e com músicas que contestavam o establishment.


Muitos podem falar que o Chico Buarque é o maior representante dessa classe. Muitos que não tem noção de história, obviamente. Chico Buarque não atingiu as massas do jeito que As Meninas atingiu. Chico Buarque nunca tocou no Domingo Legal, nunca foi no Planeta Xuxa, nunca nem sequer tocou em um trio elétrico. Bom xi bom bombom jogou o comunismo para o povão.


Aliás, Chico Buarque já fez uma música para Karl Marx? As Meninas fizeram! Xibom Bombom é um manifesto, praticamente um O Capital em ritmo de axé.





Bom xibom, xibom, bombom!

Bom xibom, xibom, bombom!
Bom xibom, xibom, bombom!
Bom xibom, xibom, bombom!

Pura onomatopéia? Sim, superficialmente. Mas no fundo é uma crítica ferrenha as sociedades capitalistas, baseada em pensamentos de Marx, que não aceitava separação entre o real e o abstrato, já que isso são apenas abstrações mentais analíticas. Ou seja, um refrão onomatopéico iria divertir o povo e ao mesmo tempo adentrar a mente humana.

Analisando
Essa cadeia hereditária
Quero me livrar
Dessa situação precária...(2x)

Revolução! Era isso que As Meninas pregavam. Marx já dizia que a revolução tem que ser necessariamente sangrenta, já que o Estado nunca iria abrir mão da sua condição de oprimir o povo. Esse povo que analisa a sua cadeia hereditária, os seus antepassados, seus pais e não enxerga nenhuma mudança na sua condição de reles manobra de movimento dos governos. Essa massa revoltada quer se livrar dessa situação precária e sabe que a revolução e o socialismo são as únicas saídas contra o poder político.

Onde o rico cada vez
Fica mais rico
E o pobre cada vez
Fica mais pobre

E o motivo todo mundo
Já conhece
É que o de cima sobe
E o de baixo desce
E o motivo todo mundo
Já conhece
É que o de cima sobe
E o de baixo desce...

Nesse trecho As Meninas citam claramente a teoria da Mais-valia de Karl Marx, em que o sistema capitalista trabalha apenas para obter lucros. E esses lucros ficam sempre nas mãos de poucos, os proprietários das fábricas, das empresas. O empregado fica sempre renegado a uma mínima parcela dos lucros em cima dos produtos que ele mesmo produz. Sendo assim, o rico sempre fica cada vez mais rico e o pobre cada vez mais podre. Isso só aumenta a luta de classes, fazendo com que o de cima sempre suba enquanto o de baixo sempre desça, gerando conflitos sociais. Xibom Bombom é uma chamada para refletir sobre essa posição.

Bom xibom, xibom, bombom!
Bom xibom, xibom, bombom!
Bom xibom, xibom, bombom!
Bom xibom, xibom, bombom!

Mas eu só quero
Educar meus filhos
Tornar um cidadão
Com muita dignidade
Eu quero viver bem
Quero me alimentar
Com a grana que eu ganho
Não dá nem prá melar

Educação, civilidade, bem estar, alimentação digna e salário justo. As bases todas do socialismo estão explícitas nesses versos. É uma transcrição do Manifesto Comunista cuspido e escarrado.

Essa música reúne em poucos parágrafos uma quantidade enorme de informações sobre filosofia, história, sociologia, ciência política, antropologia, psicologia, economia, e comunicação. Tudo isso esfregado na cara da população brasileira todo domingo na televisão. Uma crítica escancarada à nossa sociedade podre. Era como se Stalin tivesse nascido na Bahia e cantasse axé. Um marco na música de protesto nacional. Carla Cristina, uma revolucionária!


Pagode Filosófico, por: @ChicoCabron

Mande a sua análise!


Quer escrever um texto pro Pagode Filosófico?

É só escolher a sua música genial 90's e um filósofo. Depois mande a sua análise filosófica para marcin08@gmail.com.

Por que têm certas letras que só os grandes pensadores explicam.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

No Compasso do Criador, do Katinguelê, e a teologia

Como se sabe, katinguelê é o nome atribuído a criança iniciante na capoeira e aqui, todos nós, somos crianças iniciantes no amor e no lirismo desses rapazes: Salgadinho (Vocal barra cavaquinho), Breno (violão), Udi (pandeiro) e Téo mais Nino e mais o Mário (percussão geral).


A canção que destrincharemos é No compasso do criador, um pagode gospel que pegou em cheio o público do Gugu, que apresentava todo domingo o Padra Marcelo Rossi. Sem dúvidas, um golpe de marketing de mestre.

Uma breve introdução se faz necessária para os leitores “não-músicos” e ateus: compasso, define a Wikipedia como “na notação musical, um compasso é uma forma de dividir quantizadamente em grupos os sons de uma composição musical, com base em pulsos e repousos” e Criador, é o Cara lá de cima, o Cara que fez tudo em seis dias e que no sétimo descansou (maiores informações sobre, favor seguir @Ocriador).



Podemos deduzir que a canção se trata de um ser supremo fazendo uma música pausada e quantizada. Aí o mistério se revela: Salgadinho quando canta esta canção, está nos levando a um plano superior, onde o amor e a teologia se cruzam, se remixam em magia e gozo.

Eis:

Ao teu lado eu sou criança/
Nosso amor é feito um rio/
E a gente navegando nele/
Deságua dentro da paixão/
Nossos barcos são as nossas emoções

Nesta primeira estrofe, recorro ao famoso filósofo Pedro Abelardo (1079 – presente) que disse: “É ridículo pregar aos outros aquilo que nem nós nem os outros entendemos”. Como se percebe, Katinguelê tem relação forte com a capoeira, não com a navegação. Abelardo era um contestador nato e castrado (quem mandou engravidar Heloísa?). O estrofe teria melhor sentido se a palavra rio fosse substituída por “roda de capoeira” e navegando fosse alterada por “gingando”.

Nosso amor é feito um vinho/
Destilando nos corações/
O nosso amor é infinito/
É tudo que a gente quiser/
Basta eu ser o seu homem/
E você minha mulher/

Vemos na segunda estrofe que o “nosso amor é infinito”. Abelardo, nosso filósofo em questão, caiu de amores por Heloísa, um amor proibido que venceu barreiras. O teológico “crescer e multiplicai-vos” também se faz presente e é norte na vida destes jovens apaixonados. O fato de bastar ser o homem e ela, a mulher, significa que o coito substitui o onanismo, dando lugar a fecundação. Abelardo, fecundou Heloísa e, como dito anteriormente, lhe custou os culhões.

Meu amor/
Te chamo na minha canção/
Vem, me beija/
Vamos viver essa emoção/
Chuva cai/
E abençoa essa nossa união/

Terceira estrofe: clímax.

Abelardo é o atual precursor (percussão) do racionalismo francês. Quando duas pessoas se amam, nada melhor do que viver este amor de maneira racional e lógica. Então chamar, vir e beijar seguem uma linha temporal lógica. Abelardo, após castrado, se matriculou num mosteiro e Heloísa num convento. A distância entre eles está aí, representada no chamar, no vir, no “me beijar”. Quanto a chuva, entrando mais uma vez no campo da teologia, de fato não tem nada de benção. Chuva é o estado líquido das nuvens, caindo de cima para baixo. O fato de não enxergarem isto, mostra o quão embriagante o amor é.

Devagar a gente chega/
No compasso do criador/
Divino Deus.../
A gente chega nas estrelas/
Chega onde a gente quiser/
Só não chega se acabar a nossa fé

Quarta estrofe: Luz!

Pedro Abelardo, nosso filósofo castrado e apaixonado, que morreu amando a mesma mulher, que sofreu ¾ de vida disse que ”Deus faz aquilo que quer, mas como só quer aquilo que é bom, Deus só faz o bem”.

Dito isto, Pedro Abelardo e Katinguelê encerram a canção de maneira abstrata: se Ele quer, será. No compasso/tempo/vontade do Criador, o Divino, a gente chega. E chega longe, é só ter Fé.

Paz!

by @DdCoimbra

Pagode Filosófico, por: @ChicoCabron

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Querubim, dos Travessos, por Marshall McLuhan

Os Travessos nunca foi um grupo tradicional. Eles eram trangressores até mesmo em seu segmento, o pagode. Rodriguinho, Fabinho, Rodrigão, Chorão e Edimilson Salvino eram uma éspecie de Os Jetsons do pagode nacional. O visual deles sempre foi muito moderno, cheio de coletes brilhantes em tons de cinza e dourado, além da boina meia-aba de Rodriguinho, que virou febre na classe média nacional.

Os Travessos estavam para o Gugu como o Molejão para a Xuxa. E Quem nunca nos anos 90, em um domingo a tarde vendo Domingo Legal, pensou "Eu quero ser um Travesso!" que atire a primeira pedra.


Mas todo esse fenômeno não foi fácil. Afinal de contas, é difícil fazer música com conteúdo no Brasil, terra de músicas rasas e sem enbasamento teórico.

Um dos maiores sucessos dos Travessos, por exemplo, foi o clipe de Querubim. Com uma linearidade toda pautada nas teorias de comunicação de Marshall McLuhan, o clipe foi considerado um marco na história da internet. Os Travessos, além de transgressores, eram visionários das mídias sociais.

Vamos ao clipe:


Ele incia com vários amigos andando em uma pista de skate, quando chega Rodriguinho. Chorão diz "Meu, cês viram o tanto de mina que tem nesse lugar?".

Uma clara referência a Teoria da Aldeia Global, de McLuhan, onde o meio é a mensagem e utiliza de metáforas para a sociedade contemporânea, ao ponto de se tornarem parte da nossa linguagem do dia a dia. O clipe já começa com os Travessos deixando claro quem são e de onde são. Da Zona leste de SP.

Logo depois Rodriguinho se mostra um cavaleiro errante, um apaixonado desolado que já perdeu a noção do tempo ao perguntar "E aí, ela está aí?" e ouvir um "Puta, cara. Ela não vem aqui faz muito tempo".

Corta para um cenário totalmente futurística que remete aos filmes de ficção dos anos 60. Os Jetsons do Pagode 90's.

De novo citando McLuhan, o resultado dos efeitos midiológicos na comunicação é exatamento o que mostra a cena. Um homem com o coração quebrado e outros quatro atrás sofrendo junto.

Ai entra a REVOLUÇÃO na internet brasileira .

O clipe foi lançado em 2000 e já nessa época Rodriguinho lutava pela popularização dos notebooks. Um marco.

Viram a @ passando? Pois é. Em 2000 para que se usava @? PARA NADA. Mas Rodriguinho já usava para entrar em salas de bate papo (www.batepapo.com.br). Ou seja, uma clara pista do que seria o Twitter no futuro. Uma previsão do clipe que se concretizou só 7 anos mais tarde!

Logo depois Rodriguinho entra no bate papo e, passando novamente despercebido, uma clara mostra do conceito de "meios de comunicaçao como extensões do homem", ou "prótese técnica". Em outras palavras, a forma de um meio social tem a ver as novas maneiras de percepção instauradas pelas tecnologias da informação. Ou seja, ele estava procurando sua "Querubim" no bate papo, mas também no mundo real. Porém, Querubim estava desconectada, assim como não estava na pista de skate. Roteiro linear.

Mais uma vez voltando a famosa teoria da Aldeia Global, o clipe mostra que as formas de comunicação da aldeia são essencialmente bidirecionais e entre dois indivíduos, isso muito antes de existir celular com internet! Porém, essa teoria não funcionava para Rodriguinho, que não conseguia de forma alguma contato com "Querubim".

Enfim, muito antes de existir notebooks potentes, twitter, iphones, ipads e tudo mais, Os Travessos já apostavam nas mídias sociais. O mais incrível disso é que eles apostaram antes mesmo de existir as mídias sociais (no Brasil).

Uma prova de que visão de futuro não faltava aos meninos travessos que conquistaram o Brasil nos anos 90 e que hoje recebem o reconhecimento como VISIONÁRIOS DA INTERNET!

Portanto, você que trabalha com internet hoje, agradeça ao Rodriguinho e ao clipe de Querubim, que colocaram em prática os fundamentos de McLuhan no Brasil.

Pagode Filosófico, por: @ChicoCabron

sábado, 28 de novembro de 2009

Paparico - Grupo Molejo, por Schopenhauer

Não há quem ouça uma música do Grupo Molejo e não sinta no sangue a ginga e malemolência do Brasileiro. É a alegria de qualquer tribo.
Uma das poucas bandas que conseguem agradar a metaleiros, funkeiros, indies, emos, micareteiros, sertanejos e afins. Molejão é amor.

Nos anos 90, Andrezéénho, Andersããão, Claumirziiiinho e Jimmy Batera eram uma espécia de John, Paul, George e Ringo tupiniquins.

Foram muitos sucessos lançados diretamente do Planeta Xuxa para o mundo!
Um dos maiores hits foi Paparico, do álbum de nome criativo Molejo Vol II, de 1995.

Como sempre, uma letra desafiadora aos ouvidos, que pode parecer simples, mas que traz todo um enredo político-social embutido nas entre-linhas.
Molejo nunca foi música fácil, sempre se requer atenção aos pequenos detalhes de uma construção complexa.



Paparico não é uma simples historinha de amor malandro nesse Brasil.

Menina vou lhe ser sincero
Não quero mais te enganar

No início da música, Andersããão já começa exprimindo seu sentimento de culpa ao admitir que anteriormente já havido enganado a sua amada, mas, assim como todo canalha arrependido, prometia não mais lhe enganar. Nesses versos se vê uma clara referência a Um beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues.

Não tenho onde cair duro
Fiz de tudo prá te conquistar
Arranjei um carro importado
Uma beca e um celular

Andersãão, obviamente inspirado em Schopenhauer, diz que o amor é desejo é uma vontade cega, absurda e irracional de desejar algo que, tão logo é obtido, torna-se motivo de insatisfação.
Aqui ele se ilude achando que os bens matérias iriam fazer a donzela se apaixonar. A ânsia de arrumar um carrro importado, uma roupa de grife e um celular mostram bem a superficialidade existente nas relações amorosas atualmente, onde o que importa é o que a pessoa tem.

Na verdade era tudo emprestado
Não tenho nem onde morar...

Nesses versos a realidade cai sobre a cabeça do pobre sambista brasileiro, já fragilizado historicamente por uma infância pobre e uma família desfragmentada que ao tentar criar a sua tem que passar pelo constrangimento de admitir que não tem nem onde morar.

Te ganhei no paparico
Te papariquei!
Quis te dar um fino trato
E me apaixonei!

O desejo de toda mulher é ser bem tratada, arranjar um homem que lhe dê toda a atenção que ela sempre pediu e que supra todos os seus surtos de carência, já dizia Sigmund Freud. Andersãão, quis lhe dar um fino trato, lhe deu toda a atenção, porém, acabou também se apaixonando. Ironia do destino.

Te ganhei no paparico
Mas tô sem nenhum
Por favor amor não pense
Que sou 71...(2x)

Quando estamos apaixonados passamos a nos importar com a opinião da amada sobre nossos atos. Depois de tanta atenção prestada, ele só pede para que ela não pense que ele é mentiroso, usando uma gíria popular de 171. Ele não tem nenhum, mas tem consciência que o amor supera tudo.

Te levei num hotel 5 estrelas
Passei um cheque voador

Nessa passagem convém lembrar o momento econômico pelo qual o Brasil passava em 1995, já que a crise do México abalou o mercado financeiro da América Latina. O Brasil,no governo Fernando Henrique Cardoso, que entrou de cabeça na crise, teve que aumentar os juros sobre a taxa dos cheques, fazendo com que a reserva de capital dos bancos se tornasse menor. Um cheque sem fundos nesse momento seria péssimo para o correntista.
No entanto, quem ama ultrapassa barreiras e uma noite de amor em um hotel cinco estrelas superaria um nome sujo no SPC.

Minha paixão é verdadeira
Faço tudo pelo nosso amor
Menti mas foi de boa fé
Menina sou louco por ti

Aqui nosso poeta entra em claro conflito interno. Em uma referência ao filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, ele atesta que o ser humano nasce bom e se perverte por causa da vida social e do desenvolvimento cultural. A civilização e a cultura tornaram os seres humanos egoístas e violentos, gananciosos e desordenados, a ponto de amar verdadeiramente e mesmo assim mentir para a sua amada.

Mas sou pobre de marre marré
Sou pobre, pobre de marré deci...

Infantilizado e desesperado para se explicar frente a situação inevitável de perder um amor por mentir, Andersãão apela para velhos ditados infantis para sensibilizar a amada.
Ele é pobre, mas mesmo nos piores momentos, mantém a alegria e o otimismo característicos do Brasileiro.

Te ganhei no paparico
Te papariquei!
Quis te dar um fino trato
E me apaixonei!
Te ganhei no paparico
Mas tô sem nenhum
Por favor amor não pense
Que sou 71...(2x) (final 4x)

Enfim, a letra de Paparico tem várias referências filosóficas, mas o enredo todo é obviamente ligado ao filósofo Alemão do século XIX Arthur Schopenhauer, que dizia que o amor é poderoso e sabe enganar o ser humano, consegue iludi-lo, prometendo-lhe uma felicidade que jamais poderá se realizar.

Assim como Andersãão, que tentou enganar de todas as formas a sua amada em busca de uma conquista efêmera. No entanto, a paixão aconteceu e, com o peso na consciência de ter mentido anteriormente, ele se viu obrigado a reconhecer para ela e para si mesmo que é pobre de marré deci e que não tem nem onde cair duro.

O triste retrato das relações superficiais contemporâneas, onde o que importa são os bens materiais e não o sentimento. Schopenhauer sabia disso. E andersãão também.

Pagode Filosófico, por: @ChicoCabron