segunda-feira, 2 de agosto de 2010

No Compasso do Criador, do Katinguelê, e a teologia

Como se sabe, katinguelê é o nome atribuído a criança iniciante na capoeira e aqui, todos nós, somos crianças iniciantes no amor e no lirismo desses rapazes: Salgadinho (Vocal barra cavaquinho), Breno (violão), Udi (pandeiro) e Téo mais Nino e mais o Mário (percussão geral).


A canção que destrincharemos é No compasso do criador, um pagode gospel que pegou em cheio o público do Gugu, que apresentava todo domingo o Padra Marcelo Rossi. Sem dúvidas, um golpe de marketing de mestre.

Uma breve introdução se faz necessária para os leitores “não-músicos” e ateus: compasso, define a Wikipedia como “na notação musical, um compasso é uma forma de dividir quantizadamente em grupos os sons de uma composição musical, com base em pulsos e repousos” e Criador, é o Cara lá de cima, o Cara que fez tudo em seis dias e que no sétimo descansou (maiores informações sobre, favor seguir @Ocriador).



Podemos deduzir que a canção se trata de um ser supremo fazendo uma música pausada e quantizada. Aí o mistério se revela: Salgadinho quando canta esta canção, está nos levando a um plano superior, onde o amor e a teologia se cruzam, se remixam em magia e gozo.

Eis:

Ao teu lado eu sou criança/
Nosso amor é feito um rio/
E a gente navegando nele/
Deságua dentro da paixão/
Nossos barcos são as nossas emoções

Nesta primeira estrofe, recorro ao famoso filósofo Pedro Abelardo (1079 – presente) que disse: “É ridículo pregar aos outros aquilo que nem nós nem os outros entendemos”. Como se percebe, Katinguelê tem relação forte com a capoeira, não com a navegação. Abelardo era um contestador nato e castrado (quem mandou engravidar Heloísa?). O estrofe teria melhor sentido se a palavra rio fosse substituída por “roda de capoeira” e navegando fosse alterada por “gingando”.

Nosso amor é feito um vinho/
Destilando nos corações/
O nosso amor é infinito/
É tudo que a gente quiser/
Basta eu ser o seu homem/
E você minha mulher/

Vemos na segunda estrofe que o “nosso amor é infinito”. Abelardo, nosso filósofo em questão, caiu de amores por Heloísa, um amor proibido que venceu barreiras. O teológico “crescer e multiplicai-vos” também se faz presente e é norte na vida destes jovens apaixonados. O fato de bastar ser o homem e ela, a mulher, significa que o coito substitui o onanismo, dando lugar a fecundação. Abelardo, fecundou Heloísa e, como dito anteriormente, lhe custou os culhões.

Meu amor/
Te chamo na minha canção/
Vem, me beija/
Vamos viver essa emoção/
Chuva cai/
E abençoa essa nossa união/

Terceira estrofe: clímax.

Abelardo é o atual precursor (percussão) do racionalismo francês. Quando duas pessoas se amam, nada melhor do que viver este amor de maneira racional e lógica. Então chamar, vir e beijar seguem uma linha temporal lógica. Abelardo, após castrado, se matriculou num mosteiro e Heloísa num convento. A distância entre eles está aí, representada no chamar, no vir, no “me beijar”. Quanto a chuva, entrando mais uma vez no campo da teologia, de fato não tem nada de benção. Chuva é o estado líquido das nuvens, caindo de cima para baixo. O fato de não enxergarem isto, mostra o quão embriagante o amor é.

Devagar a gente chega/
No compasso do criador/
Divino Deus.../
A gente chega nas estrelas/
Chega onde a gente quiser/
Só não chega se acabar a nossa fé

Quarta estrofe: Luz!

Pedro Abelardo, nosso filósofo castrado e apaixonado, que morreu amando a mesma mulher, que sofreu ¾ de vida disse que ”Deus faz aquilo que quer, mas como só quer aquilo que é bom, Deus só faz o bem”.

Dito isto, Pedro Abelardo e Katinguelê encerram a canção de maneira abstrata: se Ele quer, será. No compasso/tempo/vontade do Criador, o Divino, a gente chega. E chega longe, é só ter Fé.

Paz!

by @DdCoimbra

Pagode Filosófico, por: @ChicoCabron